Você está prestes a ler uma obra ‘diabólica’. A crítica, que não poupou adjetivos para desclassificar As ligações perigosas quando do seu lançamento, em 1782, não chegou nem perto de captar a poderosa ambigüidade deste marco da literatura epistolar. Choderlos de Laclos (1741-1803) construiu um romance em cujo primeiro plano se destacam as relações amorosas, a perda da inocência e a traição, mas cujo pano de fundo é um dos mais sofisticados e ferinos retratos da aristocracia pré-Revolução Francesa e uma sofisticada reflexão sobre a hipocrisia do poder. Além disso, o livro teve inúmeras adaptações para o teatro e para o cinema.
A Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont, apesar de todo o luxo que os rodeia e da extrema cortesia e sofisticação que aparentam, personificam o que há de mais vil na humanidade. Ex-amantes, os protagonistas destas 175 cartas fingem e manipulam as pessoas a seu bel-prazer. Talvez para testar seu poder, talvez para passar o tempo, tecem um plano de sedução e vingança para provar que não são manipuláveis e descartáveis como os outros. Esse plano é descrito com requintes de perversidade por eles em cartas nas quais revelam seus mais íntimos pensamentos – e o fazem com tanta precisão que na época imaginou-se que o romance era, na verdade, uma reunião de cartas verídicas sobre fatos que realmente aconteceram.
Antecipando idéias que Freud só viria a nomear mais de um século depois, tendo como inspiração o romance epistolar Júlia ou A nova Heloísa (1761), de Rousseau, Laclos mergulhou nas profundezas dos seus personagens, retratando os costumes e as instituições de seu tempo, como a religião, a educação das mulheres, o casamento e a sexualidade. As Ligações Perigosas teve inúmeras adaptações para o teatro e o cinema as mais famosas dirigidas por Roger Vadim (1959), Stephen Frears (1988) e Milos Forman (1989) -, com performances que renovam o espírito provocador e revolucionário deste delicioso clássico sempre atual.